domingo, 11 de novembro de 2012

O enigmático silêncio do Vaticano II sobre o Comunismo, parte 1


O enigmático silêncio do Vaticano II sobre o Comunismo
“O êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo”
Metropolita Nikodim, arcebispo cismático de Yaroslavl, espião da KGB
José Antonio Ureta
O cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II tem sido ocasião para a publicação de diversos estudos históricos sobre aquele grande evento eclesial, um dos maiores acontecimentos, se não o maior, do trágico século XX.
Um dos fatos que tem chamado a atenção dos historiadores modernos é a ausência, nos numerosos e longos documentos aprovados pelos padres conciliares, de qualquer condenação do comunismo. Novas pesquisas históricas forneceram elementos de análise que tornam ainda mais enigmático aquele silêncio.
De um lado, o jornalista e escritor francês Jean Madiran, num livro publicado em 2006 sob o títuloL’Accord de Metz ou pourquoi notre Mère fut muette(O Acordo de Metz ou por que nossa Mãe permaneceu muda), forneceu mais detalhes sobre um evento ainda não inteiramente esclarecido e que a revista “Itinéraires”, dirigida por ele, começou a denunciar apenas seis meses após sua realização. Trata-se do acordo concluído entre o cardeal Eugène Tisserant, representando a Santa Sé, e o metropolita Nikodim, então arcebispo cismático de Yaroslavl, como representante da Igreja Ortodoxa Russa. As reuniões se realizaram em 18 de agosto de 1962 na cidade francesa de Metz e resultaram na aceitação, por parte dos ortodoxos russos, de enviar observadores ao Concílio Vaticano II, cuja primeira sessão abrir-se-ia menos de dois meses mais tarde com garantias a respeito da "atitude apolítica do Concílio".
Mais tarde ficou documentado que o metropolita Nikodim era um espião pago pela KGB para infiltrar o “Conselho Mundial de Igrejas”, do qual chegou a ser um de seus presidentes (cfr. Gerhard Besier, Armin Boyens, Gerhard Lindemann, Nationaler Protestantismus und Ökumenische Bewegung. Kirchliches Handeln im kalten Krieg (1945-1990), Duncker und Humblot, Berlino 1999).
União Soviética não admite críticas ao comunismo
Meses antes do encontro de Metz, em novembro de 1961, por ocasião da admissão do Patriarcado de Moscou no Conselho Ecumênico das Igrejas, numa reunião em Nova Delhi, o metropolita Nikodim já havia antecipado que dito Patriarcado poderia participar do Concílio "caso não houvesse declarações hostis a nossa amada pátria". E continuou: "O Vaticano é por vezes agressivo, no plano político, em relação à URSS. Nós, que somos cristãos, fiéis ortodoxos russos, somos cidadãos leais ao nosso país e amamos profundamente nossa pátria. É por isso que qualquer coisa dirigida contra nosso país não é de molde a contribuir para melhorar as nossas relações".
O arcebispo-mor dos Ucranianos católicos, metropolita Josef Slipyi, acompanhado do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (esq.) durante sua visita a São Paulo

A imprensa comunista foi a primeira a revelar o Acordo de Metz. O semanário “France Nouvelle”, boletim central do Partido comunista francês, escreveu em sua edição de 16-22 de janeiro de 1963: "Como o sistema socialista mundial manifesta superioridade de modo incontestável e goza da aprovação de centenas e centenas de milhares de homens, a Igreja não pode satisfazer-se com um anticomunismo grosseiro. Ela adotou o compromisso, por ocasião de suas negociações com a Igreja Ortodoxa russa, de que no Concílio não haveria um ataque direto contra o regime comunista".
Por sua vez, duas semanas mais tarde, na sua edição de 16 de fevereiro de 1963, o jornal católico “La Croix” publicou um artigo que informava o público do acordo, e concluía dizendo que "em consequência desse encontro [com o Cardeal Tisserant], Mons Nikodim aceitou que alguém fosse a Moscou para levar o convite, com a condição de que sejam dadas garantias no que concerne à atitude apolítica do Concílio".
Para transmitir o convite oficial e dissipar inteiramente as preocupações do Kremlin quanto à atitude do futuro Concílio em relação ao comunismo, Mons. Johannes Willebrands, secretário do recém-criadoSecretariado para a União dos Cristãos, fez uma viagem secreta a Moscou, de 27 de setembro a 2 de outubro de 1962. Oito dias mais tarde o Santo Sínodo russo aceitou o convite de enviar observadores ao Vaticano II.
Nos anexos de seu livro, Jean Madiran fornece importantes documentos, em particular uma carta que recebeu de Mons. Georges Roche, que foi secretário do cardeal Tisserant durante 33 anos, na qual afirma: "Eu posso garantir [...] que a decisão de convidar os observadores ortodoxos russos ao Concílio Vaticano II foi tomada pessoalmente por Sua Santidade o Papa João XXIII com os encorajamentos evidentes do cardeal Montini, que foi o conselheiro do patriarca de Veneza [o cardeal Roncalli, futuro João XXIII] no período em que ele mesmo era arcebispo de Milão".
O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita
As pesquisas históricas também têm avançado em relação aos debates públicos e tratativas de bastidores durante as quatro sessões do Vaticano II, que conduziram à versão definitiva dos documentos conciliares.
Dentre as obras recentes destaca-se O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita, de autoria do Prof. Roberto de Mattei, galardoada com o mais prestigioso prêmio para livros históricos, o Acqui Storia 2011. Ao fazer o balanço do Concílio, a obra concede especial destaque à abordagem feita pelos padres conciliares sobre a questão do comunismo.
O autor revela que, já na fase preparatória do Concílio e atendendo ao pedido da Santa Sé aos bispos do mundo inteiro de formular proposições, nada menos que 378 bispos declararam que o erro mais grave que a assembleia conciliar deveria condenar era o ateísmo, com menção especial do comunismo. Curiosamente, porém, logo na primeira manifestação pública da assembleia conciliar, numa "Mensagem ao Mundo", redigida apenas uma semana após o início das atividades, os padres conciliares aprovaram por votação de mãos levantadas um texto em relação ao qual 15 bispos católicos de rito oriental se recusaram a associar porque dita mensagem não dizia uma só palavra a respeito da situação dramática imposta pelo comunismo à Igreja nos países do Leste. Deploravam também que, enquanto o arcebispo-mor dos Ucranianos católicos, o metropolita Josef Slipyi, encontrava-se deportado na Sibéria por mais de 17 anos, participavam como observadores dos debates conciliares dois representantes do patriarcado de Moscou, definidos como "instrumentos dóceis e úteis nas mãos do governo soviético”.
"Moscou exigiu e Roma aceitou"
No decurso dessa primeira sessão do Concílio, o cardeal Tisserant, que presidia a subcomissão mista responsável do esquema De cura animarum (do cuidado pastoral das almas), insistiu para que fosse retirada do projeto a palavra communismus.
Ainda durante a primeira sessão, no dia 2 de novembro de 1962, o cardeal Tisserant teve um encontro com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, no qual lhe confiou que participara de negociações com os cismáticos russos: "Moscou exigiu que não se falasse contra o comunismo no Concílio, e Roma aceitou", disse-lhe, acrescentando achar "possível falar contra o materialismo e o ateísmo sem mencionar o comunismo; dessa maneira, o Concílio, que trata só de religião, poderia desenvolver perfeitamente sua missão". E concluiu dizendo: "Quem poderia falar contra o fato de se pegar o dinheiro dos ricos para dá-lo aos pobres?".
No decurso da segunda sessão do Vaticano II, duas iniciativas oriundas do Brasil fizeram com que se levantasse, pela primeira vez de modo global, a questão do comunismo.
De um lado, Plinio Corrêa de Oliveira publicou num quotidiano romano – além de distribuir a 2.200 padres conciliares e 450 jornalistas – sua recente obra A Liberdade da Igreja no Estado Comunista, na qual demonstra a impossibilidade teológica e pastoral de um modus vivendi com o comunismo que implicasse na renúncia de defender os direitos naturais da pessoa humana, entre os quais o de propriedade privada.
Paralelamente, o arcebispo de Diamantina, Dom Geraldo de Proença Sigaud, e o bispo de Campos, Dom Antonio de Castro Mayer, promoveram um apelo assinado por 218 padres conciliares solicitando ao Papa Paulo VI a elaboração de um esquema de constituição conciliar no qual:
"1. Se exponha com grande clareza a doutrina social católica e se denunciem os erros do marxismo, do socialismo e do comunismo, do ponto de vista filosófico, sociológico e econômico.
"2. Sejam refutados aqueles erros e aquela mentalidade que preparam o espírito dos católicos para a aceitação do socialismo e do comunismo e os tornam propensos a eles".
A Secretaria de Estado enviou a petição a Mons. Felici, secretário do Concílio, para que a fizesse chegar à Comissão Mista encarregada da redação do esquema sobre a Igreja no mundo contemporâneo, o assim chamado Esquema XIII que desembocou na constituição pastoral Gaudium et Spes.
“Medo de condenar o maior delito de nossa época"
O cardeal Tisserant teve um encontro com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, no qual lhe confiou que participara de negociações com os cismáticos russos
Porém, para surpresa geral, ao chegar à Assembleia Conciliar, durante a terceira sessão, o esquema omitia qualquer referência ao comunismo, o que provocou não poucas reações na aula. Por exemplo, Dom Yu Pin, arcebispo exilado de Nankin, na China, disse que "o esquema insiste muito sobre os sinais dos tempos, mas parece ignorar que o comunismo e o ateísmo marxista constituem o maior e mais triste sinal característico de nossos tempos”. E Dom Barbieri, bispo de Cassano Ionio, na Itália, declarou que "seria um escândalo para muitos fiéis se o Concílio desse a impressão de ter medo de condenar o maior delito de nossa época".
Por sua vez, Dom Luigi Maria Carli, bispo de Segni, afirmou numa intervenção escrita: "Surpreende o silêncio do esquema a respeito de um fenômeno que existe no mundo atual [...] um fenômeno que deveria provocar a dor e o pranto do Concílio, não menos que a fome e a explosão demográfica, já que tem golpeado e golpeia com dores e lutas milhões de homens. O fenômeno do marxismo, intrinsecamente perverso [...]. A Igreja Católica, que tem diante dos olhos esse fenômeno, que o sente e o sofre ao vivo na própria carne, não pode, não deve calar ou falar apenas de modo eufemístico a respeito dele! [...]Veneráveis irmãos, tenho aqui expresso abertamente meu pensamento sobre este tema. Ao fazê-lo, parece-me ter sido quase o executor testamentário de nosso pranteado colega, o arcebispo Józef Gawlina, o qual, várias vezes antes de sua imprevista morte, em virtude do conhecimento e da viva experiência que tinha a respeito [era ele, de fato, exilado da Polônia e Ordinário dos poloneses no exílio], havia lamentado comigo o surpreendente silêncio dos esquemas conciliares a respeito de um problema doutrinário e pastoral de um tão grande peso".
"Com justiça, a História nos acusará de pusilanimidade”
Mas foi na IV e última sessão do Concílio Vaticano II que a questão da condenação do comunismo foi objeto de misteriosas manobras. A redação da parte do Esquema XIII, relativa ao ateísmo, havia sido confiada ao salesiano Giuliu Girardi, que mais tarde abandonaria o sacerdócio e se transformaria num destacado teorizador e protagonista da Teologia da Libertação.
No dia 16 de fevereiro de 1965, o coordenador da redação, Mons. Pierre Haubtmann, teve uma entrevista com Paulo VI, ocasião em que lhe apresentou a linha "aberta" e "dialogante" do projeto, o qual evitava condenar o comunismo. O Sumo Pontífice o encorajou a prosseguir nessa linha, dizendo: "Sim, é ao mesmo tempo delicado e indispensável".
De fato, o novo texto, submetido entre setembro e outubro de 1965 à discussão na aula conciliar, não fazia nenhuma referência explícita ao comunismo. Quando tal omissão foi revelada nos debates, o cardeal da Iugoslávia, Franjo Seper, mostrou-se contrário a uma condenação, declarando que parte da responsabilidade do ateísmo moderno devia ser atribuída aos cristãos, que continuavam a defender com pertinácia a ordem social ocidental. O cardeal Koenig, de Viena, chegou a convidar os católicos submetidos ao regime comunista a darem testemunha ao Deus vivo, colaborando sinceramente com o progresso econômico e social do regime comunista, para se demonstrar assim que podem surgir da religião energias de transformação social ainda maiores que as do ateísmo...
Porém, foram numerosas as vozes contrárias, entre as quais a do jesuíta eslovaco Pavel Hnilica, bispo exilado titular de Rusadus, que enfatizou: "Com justiça, a História nos acusará de pusilanimidade e de cegueira por este silêncio". Dom Rusnack, bispo auxiliar de Toronto para os ucranianos do Canadá, rematou: "Seria um escândalo e um ato de pusilanimidade se um Concílio do século XX negligenciasse de denunciar à opinião pública os erros e as mentiras do comunismo". "Cada vez que se tem reunido um Concílio Ecumênico — afirmou por sua vez o cardeal Antonio Bacci — ele sempre tem resolvido os grandes problemas que se agitavam naquele tempo e condenado os erros de então. Creio que calar sobre este ponto [a condenação do comunismo] seria uma lacuna imperdoável, melhor dito um pecado coletivo".
“Renúncia de tudo quanto os últimos Pontífices escreveram”
No dia 7 de outubro (aniversário da Batalha de Lepanto e festa de Nossa Senhora do Rosário) foi encerrada a discussão sobre o esquema de constituição Gaudium et spes. No dia 8, o secretário do Concílio, Mons Felici, comunicou que os padres conciliares podiam apresentar observações por escrito até o dia seguinte. Reunidos no Coetus Internationalis Patrum, os bispos conservadores prepararam uma petição na qual requeriam que, após a parte que tratava do ateísmo, "fosse acrescentado um novo e adequado parágrafo tratando expressamente do problema do comunismo".
De fato, dizia o parágrafo proposto pelos signatários, "da negação da existência de Deus e de toda ordem religiosa, sobretudo sobrenatural, por lógica necessidade comprovada pela História, o comunismo é levado a abalar de muitos modos os próprios fundamentos da ordem natural. E, em realidade, para restringir-se apenas ao mais importante, ele nega a espiritualidade e a imortalidade da alma humana; rejeita a verdadeira liberdade, especialmente em matéria religiosa; viola em muitos pontos a genuína dignidade da pessoa, da família e da união conjugal; não reconhece nenhuma norma estável e imutável da lei moral e do direito mas, para ele, justo e moral é apenas tudo aquilo que é útil à ditadura do próprio partido (cfr. A intervenção do cardeal Wyszynski de 20-9-1965); não admite o direito de propriedade privada; considera a luta entre as classes sociais como um meio necessário para a obtenção dos bens terrenos; tem do Estado uma concepção tão totalitária que quase nenhum lugar digno é reconhecido aos indivíduos particulares ou às sociedades intermediárias [...]. Por todas estas razões o comunismo deve ser rejeitado".
Ao justificar a proposta, o documento afirmava que "se o Concílio calasse sobre o comunismo, dito silêncio, na mente dos fiéis, equivaleria — por uma consequência injusta, sim, mas fatal — a uma tácita renúncia de tudo quanto os últimos Pontífices disseram e escreveram contra o comunismo, assim como a respeito das condenações promulgadas pelo Santo Ofício. O dano psicológico que dai surgiria, assim como o desprezo pelo Magistério da Igreja, seria de imensa gravidade".
E os padres conciliares advertiam: "Assim como alguns acusam, de modo certamente equivocado, Pio XII de venerável memória de ter feito silêncio face às vítimas do nazismo, assim também, depois do Concílio, a justo título acusar-se-ia o Colégio Episcopal de silêncio diante das vítimas do comunismo".
"A gravíssima culpa de Mons. Glorieux é evidente"
Os bispos Dom Geraldo de Proença Sigaud e Dom Marcel Lefebvre entregaram, ao meio dia de 9 de outubro de 1965, a emenda ao esquema da Gaudium et Spes, com a assinatura inicial de 334 padres Conciliares. Mais 71 assinaturas foram apresentadas alguns dias depois. Juntando-se a estas mais 30 assinaturas que não haviam sido entregues por terem sido recebidas fora do prazo, chega-se ao impressionante total de 435 padres conciliares de 86 países, certamente uma das petições mais representativas de todo o Concílio.
A petição chegou às mãos do secretário da Comissão Mista, Mons. Achille Glorieux, no dia 11 de outubro. Ele, porém, não a transmitiu às comissões que estavam trabalhando na redação final do esquema, sob pretexto de não dificultar os trabalhos... "A gravíssima culpa de Mons. Glorieux é evidente", comenta o historiador Roberto de Mattei; "não se pode admitir sua boa fé, mas é lícito até supor o dolo. Como imaginar, além do mais, que ele tenha tomado a decisão de esconder a petição sem consultar alguém? Quem? Parece estar excluído que se trate de Mons. Felici, secretário do Concílio. Mas lógico é imaginar que se tratasse do cardeal Tisserant".
O não envolvimento de Mons. Felici nessa trama resulta do fato de que, nesse mesmo dia 11 de outubro, Dom Carli dirigiu à Presidência do Concílio uma carta denunciando o caráter arbitrário da Comissão Mista que havia ignorado um documento de tamanha importância. Mons. Glorieux defendeu-se afirmando falsamente que a petição tinha chegado fora do tempo, mas foi desmentido pelo próprio Mons. Felici.
Na Congregação Geral de 15 de novembro, o relator do esquema, o futuro cardeal francês Gabriel-Marie Garrone, não só não comunicou aos bispos presentes a existência dessa emenda e declarou que o modo de proceder da Comissão, omitindo a condenação do comunismo, concordava com a finalidade pastoral do Concílio e com a "vontade expressa" de João XXIII e Paulo VI.
Os Padres Conciliares na Basílica de São Pedro
Não falar do comunismo — 1965
Dom Luigi Maria Carli apresentou, então, um recurso regulamentar (posto que o regulamento estabelecia que todas as emendas, inclusive as rejeitadas pela Comissão, deviam ser comunicadas aos padres conciliares) e informou dessa anomalia à imprensa. Nesse mesmo dia, Mons. Felici enviou uma nota ao Papa a respeito do recurso regulamentar de Dom Carli. Na tarde desse mesmo dia 15 de novembro, Paulo VI fez transmitir a Mons. Felici a seguinte nota, descoberta pelo Prof. de Mattei nos arquivos do Vaticano:
"15-XI-65
"Conserva-se ou retira-se o recurso?
"1) Foi ilegal a conduta da Comissão Mista?
"2) Depois da intervenção ‘iuxta modum’ a tese dos recorrentes seria levada ao conhecimento dos padres com as relativas observações.
"A) É prudente?
"se rejeitado [o recurso pedindo a condenação do comunismo]: o Concílio parece ter rejeitado a condenação do comunismo já condenado
"se aprova: qual a sorte dos católicos nos Países comunistas?
"B) É coerente com os compromissos do Concílio?
"— de não entrar em temas ‘políticos’
"— de não pronunciar anátemas
"— de não falar do comunismo (1965)".
A última frase e a data 1965 devem ser destacadas, porque parecem uma referência ao Acordo de Metz.
O escândalo do desaparecimento definitivo das propostas
"Dentro da perspectiva de Revolução e Contra-Revolução, o êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo"(Plinio Corrêa de Oliveira)
Na manhã seguinte, de acordo com as instruções recebidas, Mons. Felici teve um novo encontro com Dom Carli, confirmando que a emenda tinha sido apresentada de modo regulamentar e que a Comissão deveria tê-la tomado em conta. Numa nota posterior datada de 20 de novembro, Mons. Felici repetiu ao Papa que o recurso de Dom Carli era perfeitamente legal.
No dia 23, uma agência de notícias próxima dos prelados conservadores difundiu um longo comunicado sobre o escândalo do desaparecimento das propostas de nada menos que 435 padres conciliares. Paulo VI convocou então, no dia 26 de novembro, uma reunião restrita na sua sala de trabalho do terceiro andar do Palácio Apostólico, da qual participaram os cardeais Tisserant e Cicognani, e os monsenhores Dell’Acqua, subsecretário de Estado, Felici, secretário do Concílio, e Garrone, relator do esquema.
Antes da reunião, o cardeal Tisserant tinha entregado ao Papa uma carta, na qual afirmava, entre outras coisas:
"Os anátemas jamais converteram ninguém e se foram úteis no tempo do Concílio de Trento, quando os príncipes podiam obrigar seus súditos a passar ao protestantismo, não servem mais no dia de hoje em que cada um tem o senso da própria independência. Como já disse a Sua Santidade, uma condenação conciliar do comunismo seria considerada pela maioria como uma tomada de posição de caráter político, o que acarretaria um dano imenso à autoridade do Concílio e da própria Igreja”.
A reunião foi presidida pelo Papa, que depois de ler a carta do cardeal Tisserant, expôs o status questionis tanto regulamentar quanto de fundo. No tocante ao primeiro aspecto, o cardeal Tisserant deu a incrível justificativa de não ter convocado o Conselho da Presidência para analisar o recurso de Dom Carli porque o cardeal Wyszynski, membro do Conselho, estava muito firme na sua ideia contra o comunismo. No mérito, todos os presentes concordaram com a posição expressa pelo cardeal Tisserant e pelo próprio Paulo VI na sua nota a Mons. Felici, segundo a qual não era oportuno que o Concílio renovasse expressamente a condenação do comunismo.
Em carta dirigida a Mons. Glorieux, datada de 4 de dezembro de 1965, o cardeal Tisserant dizia, não sem um certo cinismo: "A sua responsabilidade não será caricaturizada além da medida pelos historiadores do Concílio. Aqueles que têm estado ao corrente [do assunto] perdoam o seu esquecimento".

Fonte:Revista Catolicismo